Secagem de Grãos

Valdecir Antoninho Dalpasquale, Ph. D.
Eficiência Energética Engenharia Ltda. – E3

Neste trabalho, entende-se como grãos todos os produtos agrícolas, apesar de não ser a denominação correta para soja e feijão, dentre outros. Os principais grãos são o arroz, o milho e o trigo.
A secagem de grãos pode ser definida de modos distintos, de acordo com o enfoque que se deseja dar. Nos estudos mais teóricos, a ênfase recai sobre os mecanismos de transporte de energia e matéria. Assim, a secagem pode ser definida como um processo em que há trocas simultâneas de calor e massa entre o ar do ambiente de secagem e os grãos. Nos casos gerais, entretanto, define-se secagem como a operação unitária responsável pela redução do teor de umidade de certo produto até um nível considerado seguro para o armazenamento.
Entende-se como seguro o nível de umidade abaixo do qual a atividade respiratória dos grãos e legumes é reduzida, e o ataque de insetos e fungos é dificultado. Esse nível varia para os diferentes tipos de produtos agrícolas, mas, para as condições brasileiras e grãos e legumes mais comuns, compreende uma faixa entre 10% e 14% de umidade, expressa em base úmida.

 

Histórico

Secam-se produtos agrícolas desde os primórdios da civilização. No início, não havia qualquer preocupação com a armazenagem, e a diminuição de umidade ocorria no próprio campo. Essa secagem era feita em condições naturais do ambiente, ditadas, principalmente, pela energia solar incidente e o movimento do ar, pelo vento. Mais tarde, tentou-se controlar parcialmente as condições de secagem e esta passou a ser feita em fogões especiais ou em salas aquecidas. Depois, surgiram as grandes unidades comerciais de secagem, e a secagem de grandes quantidades de grãos passou a ser feita nas fazendas. Esse aumento na demanda de secagem foi consequência do desenvolvimento dos métodos de colheita mecânica.
Na América Latina, parte significativa da produção agrícola ainda é secada de forma primitiva, ou seja, secagem no campo, por longos períodos. A utilização dessa técnica acarreta elevadas perdas da produção, uma vez que o material fica exposto às condições adversas e à ação de predadores, por um tempo prolongado.

Necessidade de secagem

Ao atingir a maturidade fisiológica, a maioria dos produtos agrícolas apresenta um teor de matéria seca máximo. A colheita do material nesse ponto de desenvolvimento seria recomendável sob os aspectos de rendimento máximo da produção. Vários fatores, entretanto, limitam essa possibilidade. Um deles é a umidade deles, que precisa ser reduzida a níveis seguros de armazenagem. Além de ser um processo que requer alto consumo de energia, a secagem de grãos é técnica muito pouco difundida na América Latina, em geral. Nas regiões onde é conhecida, geralmente é mal utilizada. Como consequência, há elevadas perdas de grãos nesses países

Secagem de grãos em altas temperaturas

Um sistema de secagem-armazenagem de grãos exige custos de investimento relativamente elevados. A utilização das técnicas de secagem-armazenagem, devido aos custos iniciais, exige um nível mínimo de produção para ser economicamente viável. É incorreto supor, porém, que essa tecnologia só é recomendável para grandes produções. Ela apresenta variações que estendem a sua utilização para uma faixa bem ampla de produção. Naturalmente, à medida que maiores volumes são processados, melhor tratamento eles poderão receber, uma vez que sofisticações poderão ser incorporadas a esses sistemas.
Nos processos de secagem mais comuns, as trocas de energia e massa entre um produto agrícola e o ar ocorrem, principalmente, por convecção de ar forçado e em altas temperaturas. As vazões específicas do ar são altas e, como consequência, a velocidade de secagem é alta. Esses processos de secagem requerem manejo mais adequado e com maior supervisão, porque o perigo de acidentes, incêndios principalmente, é maior e a possibilidade de danos ao produto também é acentuada. Mesmo assim, o manjo correto dos secadores permite que se sequem alguns produtos, a 400°C, sem afetar a sua qualidade final. É bem verdade que nem todos os tipos de secadores aceitam tal manejo, mas se o aumento da temperatura do ar de secagem, por um lado, requer maior supervisão, por outro, aumenta a eficiência energética do processo (menor quantidade de energia consumida por unidade de massa de água evaporada). Esta característica dos processos de secagem em altas temperaturas deve ser bem explorada e melhor investigada, especialmente com relação aos custos de energia.

 

Combustíveis utilizados

Até o advento da crise energética mundial não havia qualquer preocupação com o consumo de combustíveis durante a secagem de produtos agrícolas. Ou seja, os processos de secagem não precisavam ser energeticamente eficientes, devido ao baixo custo dos derivados de petróleo, os quais representavam a maior fonte de energia para esses processos. A partir de 1973, novas fontes de energia foram pesquisadas. Da mesma forma, sistemas de secagem mais eficientes foram desenvolvidos. Essa transformação ocorrida na área de secagem de grãos indica claramente que a aplicação de novas tecnologias requer, além do aval técnico, a garantia de que é um empreendimento economicamente viável. Se o desenvolvimento de novas tecnologias pode acontecer a qualquer custo, o mesmo não é válido para as suas aplicações. Estas só serão possíveis após a determinação do ponto de equilíbrio entre custos e benefícios.
Os derivados de petróleo tiveram sua utilização proibida para a secagem de produtos agrícolas a partir de 1981, no Brasil. Essa proibição levou ao estudo de fontes alternativas de energia, dentre elas as mais importantes são a madeira, os resíduos agrícolas, a energia solar e o álcool.
A utilização da madeira tem sido uma solução-problema. O problema apareceu sob duas formas principais: uma delas diz respeito a não otimização das fornalhas. Como consequência imediata, essas “novas” fornalhas apresentam consumo elevado de lenha, devido a perdas diversas. A outra face do problema diz respeito à distribuição de florestas energéticas no País. É bem verdade que o Brasil dispõe de madeira suficiente para secar os produtos agrícolas que produz, mas as grandes concentrações de florestas estão nas regiões Norte e Centro-Oeste, e a maior parte da produção agrícola tem origem na região Sul do País. Isso demonstra claramente a falta de planejamento de certos setores do Governo, uma vez que a proibição do uso de derivados de petróleo deve ter reduzido em menos de 1,0% as necessidades diárias dessa fonte de energia. Além disso, não se desenvolveu, concomitantemente com a proibição, uma política de implantação de florestas energéticas nas regiões de maiores produções. Isso tem levado a situações como as que ocorrem em algumas cooperativas do Oeste do Paraná: a lenha consumida nas suas fornalhas é adquirida a distâncias maiores que 200km e o custo de transporte da lenha fatalmente é repassado ao agricultor cooperado através de um maior custo de secagem.
Muito tem sido comentado a respeito da utilização de energia solar para a secagem de grãos e legumes. Extensos estudos têm sido realizados e alguns pontos têm sido questionados. Um deles é o elevado custo inicial dos coletores, que faz com que essa forma de energia não seja gratuita, como muitos pensam. Têm sido feitas tentativas para desenvolver coletores mais baratos, de custos competitivos, com a utilização de outras fontes de energias, mas ainda não se chegou a resultados satisfatórios. O outro aspecto de suma importância, que limita a utilização de coletores solares para aquecimento de ar de secagem de produtos agrícolas, no Brasil, é a coincidência do período de safras da maioria das culturas com época das chuvas. É nesse período que mais se precisa do sol, mas é também a época em que ele está menos disponível. Essa fonte alternativa de energia deve ser usada com muito cuidado.
O Brasil mostrou para o mundo que é possível utilizar o álcool como fonte de energia, com algumas características especiais: é uma fonte de energia limpa, ou seja, a produção de fumaça e outros contaminantes é mínima; é uma fonte de energia renovável, que pode ajudar a manter o homem no campo; 2,1 litros de álcool tem o mesmo poder calorífico que um quilograma de GLP. Essa fonte de energia já foi usada em um secador contínuo de milho, com um consumo ligeiramente inferior a 1.000kcal/kg de umidade evaporada, consumo bem melhor do que quando se usa lenha. Esse valor pode ser reduzido para menos de 800kcal/kg.

Eficiência térmica de secagem

O consumo de energia em um secador de grãos e legumes não deve ser medido apenas em unidades de combustível usadas durante o processo. É importante que se relacione esse consumo com a correspondente quantidade de água evaporada; daí a necessidade de se definir um elemento que sirva de termo comparativo entre diferentes processos ou mesmo diferentes secadores. Esse termo, já bem aceito na comunidade científica e aqui denominado eficiência térmica de secagem, é assim definido: “é a relação entre a quantidade de energia destinada à secagem e a quantidade de água evaporada durante o processo”. Não se inclui, para efeito de cálculo deste termo, a energia para movimentar o material.
O consumo de energia por unidade de água evaporada varia com diversos parâmetros. Destes, os mais importantes são: a variação de umidade do produto durante a secagem (taxa de secagem), as condições ambientes e o tipo de secador utilizado. A taxa de secagem de certo tipo de grão, por sua vez, é função da temperatura e da vazão do ar de secagem, do teor de umidade inicial e de equilíbrio do produto, da temperatura e, quando for o caso, da velocidade desses no secador.
O tipo de secador utilizado tem grande influência no rendimento térmico da secagem. Cada produto seca em taxas diferentes, apresentando, cada um, exigências mais ou menos específicas quanto à qualidade. Assim, há a necessidade de se desenvolverem diferentes secadores para cada tipo de grão, pois as condições de secagem (temperatura, fluxo de ar, velocidade do produto pelo secador, teor de umidade inicial) para arroz diferem das de milho, feijão ou soja, ou seja, a secagem de milho em um secador específico para a soja já é um indicativo de que o processo não será termicamente eficiente.
Em vista dos aspectos mencionados, fica patente a necessidade de extensas pesquisas no campo, de dimensionamento e otimização de sistemas de secagem de produtos agrícolas. É natural que o conhecimento do comportamento dos parâmetros de secagem e a interdependência que eles mantêm devem ser bem investigados, pois do correto dimensionamento deles dependerá o sucesso final do empreendimento. Além disso, outros fatores não mencionados aqui são de extrema necessidade nos estudos de otimização de secadores para grãos e legumes: recirculação de ar de secagem, secagem intermitente e a utilização dos conceitos de energia na análise da utilização das diferentes fontes de energia.

secarmazena

Professor Titular Aposentado da Universidade Estadual de Maringá, Maringá, Paraná, com Mestrado, Doutorado e Pós-doutoramento em Secagem e Armazenagem de Produtos Agrícolas, todos nos Estados Unidos.